O Voto da Abstenção

A elevadíssima taxa de abstenção para as eleições europeias e o breve «faiscar» vencedor do PSD (que muitos confundiram com a acendalha que faltava para fazer surgir uma Fénix Renascida) trouxe à discussão a falta de participação dos cidadãos e as polémicas declarações do Presidente do Governo Regional dos Açores, Carlos César, acerca da obrigatoriedade do voto. Ainda mais recentemente, quando interveio no IX Congresso da JS/Açores, apelidando de «estúpida» toda a situação da abstenção, surgiram umas vozes na Assembleia Legislativa Regional contra a hegemonia do Partido Socialista nos Açores, culpabilizando não só o partido como todos os governantes para o actual estado das coisas.

Pese embora já se antecipasse a atitude demagógica e altamente empolgada da parte de um partido que vê nos resultados de uma eleição europeia o errado espelho futurista da sua vitória nas próximas eleições autárquicas e legislativas, a verdade é que algumas dessas declarações são preocupantes e roçam, no meu entender, a politiquice estúpida – por apropriação do adjectivo.

A falta de participação dos cidadãos em actos eleitorais é um problema que se verifica em muitos outros países no mundo. A recente afluência às urnas nos EUA provou isso mesmo: quando se sente que o voto é deveras importante, a afluência é grande; caso contrário, as pessoas ficam em casa. A culpa não é somente dos partidos nem dos agentes políticos (embora muitos tenham culpa no cartório); e também não será inteiramente dos cidadãos. A culpa acaba por ser do próprio sistema democrático que permite a desresponsabilização do cidadão desta forma.

A democracia pressupõe o voto como expressão da vontade do povo. Algures, no tempo pós-25-de-Abril, alguns iluminados terão achado que a obrigatoriedade do voto era um atentado à liberdade individual do homem. O homem não pode ser obrigado a votar! – (imagine-se o balão de pensamento num cartoon à la Alegre) – Obrigar a votar é voltar ao Fascismo! Assim chegámos ao actual estado de coisas.

Criou-se a sensação errada de que qualquer um de nós se pode dar ao luxo de não votar e (quase de propósito) confundiu-se não votar com o voto em branco. O não votar é o descartar-se da participação na vida cívica; é uma declaração de não concordância com o próprio sistema democrático, não com quem está a escrutínio; é ser-se estúpido por se deixar que outros decidam por nós; não votar não é o mesmo que votar em branco. Quando não se vota, não se participa, não se opina, não se tem (de novo, na minha opinião) voto na matéria.

E é aqui que, em círculos de amigos e colegas de trabalho e familiares, também eu já fui acusado de ser um pouco «fascista» por querer obrigar as pessoas a votar. Também eu já defendi qualquer coisa como o voto obrigatório. E atenção, não quero dizer que o voto tenha que ser obrigatório com medidas de penalização. Penso, no entanto, ser urgente redefinirmos a forma de participação dos cidadãos.

Por que não hei-de eu votar em casa, através de uma ligação à Internet? Ou através do leitor de cartão de cidadão, que é pessoal e intransmissível? Por que tenho eu de me deslocar fisicamente a um sítio para votar? O mundo está em constante mudança e a partilha de informação e a participação das pessoas passa impreterivelmente pela Internet e pelas Novas Tecnologias. É necessário encontrar-se alternativas à tradicional urna no local de voto tão urgente quanto é desmistificar esta confusão conceptual de não votar = não concordar com quem está/não está no poder. Se um cidadão não concorda com nenhuma das propostas a escrutínio, o que terá de fazer é votar em branco. Mostrar a sua discordância. O não votar é não concordar com a própria democracia.

Sinceramente, custa-me muito aceitar a argumentação de que um homem é livre para não votar. Se é livre para não votar, é também livre para pegar nas suas coisas e mudar-se para um país que não seja democrático, ou para as montanhas, tornar-se um eremita e viver para sempre no seu ideal de participação individualista.

É que os cidadãos são obrigados a apresentar IRS, IVA, dar os dados para viajar, apresentar provas de presença, de ausência, obrigados a pagar taxas com as quais podem até não concordar, entre muitas outras obrigatoriedades, contra as quais não vejo os defensores da individualidade insurgirem-se. No entanto, quando se trata da possível obrigatoriedade do voto, até as pedras da calçada se sentem oprimidas.

2 comentários:

PedromcdPereira 22 de junho de 2009 às 16:05  

Discordo da tua opinião de que o não votar não é uma tomada de posição. Vê lá quantos artigos viste escritos sobre o voto em branco... já a abstenção é tomada a sério. A obrigatoriedade do voto é a saída fácil de um regime que não consegue cativar os seus cidadãos. Não penso que quem defenda a obrigatoriedade do voto demonstre laivos de fascismo. No entanto, acho que o respeito por quem não vota por que não lhe apetece, deve ser mantido.

Rogério 25 de junho de 2009 às 15:45  

Caro Pedro
algo em mim deve estar profundamente errado, mas a verdade é que detenho muito pouco respeito por quem não quer votar. Concordo que não será o voto obrigatório a forma mais correcta de dar a volta à questão; e concedo também que é preciso cativar as pessoas para o voto e para a participação. Não obstante, nem que seja por benefício dos que votam; deverá haver uma diferença entre quem participa (mesmo votando em branco, ou nulo) e quem não participa. Não votar é não participar no processo democrático que depois define todo um conjunto de apoios, benefícios e demais benesses aos cidadãos (incluindo aqui quem votou ou quem não votou). É, no mínimo, na minha opinião, injusto.

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