A Incomensurável Pequenez do Eu
Após ter decidido fazer um interregno de três meses desde a publicação do meu último texto, e enquanto pensava se deveria ou não voltar a publicar algo de carácter opinativo, eis que leio um artigo sobre a diferença de tratamento entre terceirenses e micaelenses, e o «orgulho ferido» que alguns dos primeiros sentem em relação aos segundos. (senti necessidade de escrever)
Este tipo de discurso «bairrista» tem estado presente ao longo de toda a nossa história de arquipélago e tenho-o ouvido da boca das pessoas e lido nos mais diversos artigos de opinião.
Devo confessar que quando era mais novo aceitei a preferência do governo por São Miguel em detrimento das outras ilhas como um facto, um dado adquirido na vida insular dos açorianos: os micaelenses tinham tudo e os terceirenses (sem falar nos outros), pobres coitados, não tinham nada.
Contudo, cresci. Vivi
Presentemente, considero ser este um tipo de discurso caquéctico, infundado e muito perigoso, que serve apenas para alimentar rivalidades e impedir o desenvolvimento daquela visão de conjunto que nos deveria caracterizar como arquipélago.
Somos todos açorianos e sentimos o peso da insularidade. Contudo, não devemos basear a nossa actuação num sentimento ressabiado e invejoso perante os nossos semelhantes que, durante o povoamento, se decidiram instalar na ilha que acabou por se revelar ter uma grande capacidade de expansão.
Somos nove ilhas, em tudo diferentes e com características muito próprias, tal como as gentes que as habitam. Mas, deverá o irmão mais novo ralhar com os pais porque o irmão mais velho é bem sucedido? Mesmo que este sucesso tenha uma proporcionalidade directa entre o seu trabalho e as condições de expansão dadas pelos pais? E se o mais novo não trabalha por isso, preferindo fechar-se no quarto a chorar e a dizer que não consegue porque está condenado à partida pela preferência dos pais?
Penso que não deverá. Penso que o caminho para o desenvolvimento das nossas ilhas passa impreterivelmente pelo abandono urgente deste discurso de rivalidade infundada que se baseia na assunção de que «uns têm tudo e os outros não têm nada».
Enquanto não olharmos para as ilhas como «zonas» de uma região e não regiões em si mesmas (que é o que este discurso acarreta consigo), nunca seremos capazes de criar um sentimento de igualdade que nos permita evoluir e desenvolver os Açores de uma forma justa e sustentada.
A verdade é que o facto de a Base Aérea nº4 estar sedeada na ilha Terceira não pode (nem deve nunca) ser condição sine qua non para que tudo o que tem que ver com os norte-americanos seja feito nesta ilha. Não nos faltava mais nada senão a Horta reclamar para si o domínio de tudo o que diz respeito à vela, porque a história lhe pertence. Ou ainda tudo o que for feito sobre Antero, Natália, Domingos e outros ser feito única e exclusivamente
Os Açores já estiveram mais divididos, é certo. Ainda me lembro de se provocarem discussões e brigas com os «de fora» porque eram de São Miguel, particularmente. Vulgares demonstrações de ignorância que felizmente se esbateram graças à melhoria das possibilidades de deslocação dentro e fora do arquipélago.
Serão estas condições de mobilidade que vão permitir que esta ideia de arquipélago se revele e se instale na matriz de vida das gerações futuras. Os nossos jovens já partilham desta visão – basta vê-los de ilha em ilha em festivais, festas de freguesia e visitas aos amigos.
Mas até as rivalidades se esbaterem é necessário lutar contra estas vozes dos «desgraçadinhos», estas teorias da conspiração e da inveja, e trilhar um caminho uno, múltiplo e irmanado. O passado deve servir de guia, nunca de âncora.
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