A Falácia do Ensino do Português
No dia 16 de Junho de 2008 realizou-se mais um exame nacional da disciplina de Português em todo o território nacional e ilhas. Desta vez, o conteúdo da prova incidiu sobre Os Lusíadas, mais particularmente sobre o episódio da Ilha dos Amores. Para muitos dos alunos do 12º ano, este foi um exame de engano. Um engano que, para muitas pessoas, não faz qualquer sentido. E um engano que é sintomático do estado não só do ensino do Português em Portugal, como também de uma atitude portuguesa que se encontra impressa na nossa «identidade nacional» desde há muito.
Então, qual é o problema? No programa do 12º ano de Português, Os Lusíadas são ensinados em comparação e análise com a obra dA Mensagem de Fernando Pessoa. Servem ora de contraste ora de confirmação daquilo que o poeta português anuncia do descrédito e o estado moribundo do nosso país na primeira metade do séc. xx. Ora bem, introduzir Os Lusíadas como análise de texto independente é não só desonesto da parte do Ministério da Educação, como revela uma grande tendência portuguesa para dificultar a vida aos alunos e criar obstáculos à sua formação e natural evolução.
Ora vejamos: Eça de Queirós. Um grande escritor, cuja obra é analisada e estudada no programa do 11º ano. Há um conjunto de matérias que têm de ser ensinadas aos alunos: a sociedade portuguesa do séc. xix, as suas personagens e personalidades, as suas mesquinhices, a decrepitude, o marasmo social, a apatia, etc. No entanto, de todas as obras do escritor que tratam estes assuntos - sim, porque são quase todas - qual foi a escolhida para ser o paradigma queirosiano no secundário? OS MAIAS. Nem mais: a maior, a mais chata e menos interessante, a mais maçuda, complicada e cheia de descrições de todas as obras. O Crime do Padre Amaro, A Relíquia, A Capital, A Cidade e as Serras, todas estas não interessam. Qual é a que escolhemos? OS MAIAS.
Vergílio Ferreira. Outro grande escritor, cuja obra é analisada e estudada no programa do 12º ano. De novo, um conjunto de conceitos a ser ensinados aos alunos: a morte, o tempo que nunca se repete, a saudade, a tristeza da condição e da miséria humana, os que já partiram, o passado, etc. No entanto, de novo, de todas as obras do escritor que tratam estes assuntos - sim, porque são muitas as que tratam este assunto - qual foi a escolhida para paradigma vergiliano no secundário? APARIÇÃO. Nem mais: o existencialismo sartriano, o modernismo do séc. xx, as questões da condição humana - perecível, degradada - e todas as restantes questões e a mais complicada de todas as suas obras. Em Nome da Terra, Cartas a Sandra, Até ao Fim, todas estas não interessa. Qual é a que escolhemos? Qual é a mais complicada? APARIÇÃO
José Saramago. Único prémio Nobel da literatura em Portugal. Sem dúvida um grande escritor, cuja obra decidimos introduzir no estudo do 12º ano. De novo, e como uma recorrência, um conjunto de conceitos a serem ensinados aos alunos: a reescrita da história, as particularidades do narrador, a visão crítica do homem contemporâneo, a humanidade do narrador, a particularidade do discurso narrativo com as subversões Às regras de apresentação do discurso directo e a subordinação das ideias, a pequenez do homem em face da história e do tempo, a opressão da igreja católica ao longo dos tempos, os anacronismos narrativos, etc. No entanto, e mais uma recorrência, de todas as obras que tratam alguns destes assuntos - sim, porque estes assuntos são recorrentes na vastíssima obra de Saramago - qual foi a escolhida para paradigma saramaguiano no secundário? MEMORIAL DO CONVENTO. Nem mais: extensa, descritiva, anacrónica, de assunto desinteressante para jovens do secundário, complexa, a mais "chata" de todas as suas obras. O Ano da Morte de Ricardo Reis (que poderia ser analisado em complementaridade com a poesia de Fernando Pessoa e os heterónimos); O Evangelho Segundo Jesus Cristo (com a reescrita da história, a humanidade do narrador, e outras); O Ensaio Sobre a Cegueira (com o modernismo, a condição ferozmente animalesca do homem, a humanidade e a esperança no futuro do narrador, etc.); O Ensaio Sobre a Lucidez (sobre a importância do voto e da participação cívica dos cidadãos, etc.); O Levantado do Chão (sobre os latifundiários do Alentejo e a preparação do 25 de Abril...); nada disto conta. NADA. Qual é a que escolhemos? Qual é a mais secante, complexa e mágica história para entalarmos os miúdos e atrasarmos as suas competências???? Qual é, qual é? O MEMORIAL DO CONVENTO
E este problema verte para as mais diversas franjas da nossa sociedade, com o sentimento do complicar, da burocracia, da complexidade, do tamanho e dificuldade do que se ensina. É isto que perpassa toda esta nossa atitude portuguesa de complicação. Não queremos que os miúdos passem o secundário de uma forma natural. Queremos que eles sofram, que eles suem e que chorem durante todo o percurso. Que matem a cabeça a ler textos e autores que, no mínimo, fá-los-ão NUNCA mais quererem ler semelhantes autores.
Enquanto não assumirmos efectivamente que o ensino deverá ser por competências, independentemente dos conteúdos (tal como cada vez mais acontece nas escolas profissionais e técnicas), não sairemos desta cepa torta. Esta corja de interesses editoriais e ministeriais, uma cultura de aparente dificuldade, quando os países do mundo já perceberam que não se julgam as obras pela sua dificuldade de compreensão.
Esta é a falácia do ensino do Português: para além de falsamente orientados para as competências, os alunos aprendem conteúdos, estáticos e apresentados sem interesse nas salas de aulas, respondendo a testes que obedecem à estrutura dos exames nacionais, como se de um treino para uma maratona se tratasse. Não interessa que os alunos sejam criativos e flexíveis o suficiente para se adaptarem a novas realidades literárias. não interessa que os alunos aprendam outros textos, mais voltados para a realidade (sem esquecer que, no caso de Saramago já há o filme do Ensaio Sobre a Cegueira; e já existem 2 filmes sobre O Crime do Padre Amaro, um deles até português). Não interessa nada disso. Interessa a manutenção de um status quo que para sempre levará os alunos à angústia dos exames nacionais e ao estudo «marrado» para cumprirem os trâmites formais dos exames.
E daí, complicam-se as coisas. Vamos a colocar Os Lusíadas sem exercício comparativo com A Mensagem. Assim, os miúdos não estão à espera e espetam-se... heheheheh.
Muito bem. São estes os nossos líderes.
Então, qual é o problema? No programa do 12º ano de Português, Os Lusíadas são ensinados em comparação e análise com a obra dA Mensagem de Fernando Pessoa. Servem ora de contraste ora de confirmação daquilo que o poeta português anuncia do descrédito e o estado moribundo do nosso país na primeira metade do séc. xx. Ora bem, introduzir Os Lusíadas como análise de texto independente é não só desonesto da parte do Ministério da Educação, como revela uma grande tendência portuguesa para dificultar a vida aos alunos e criar obstáculos à sua formação e natural evolução.
Ora vejamos: Eça de Queirós. Um grande escritor, cuja obra é analisada e estudada no programa do 11º ano. Há um conjunto de matérias que têm de ser ensinadas aos alunos: a sociedade portuguesa do séc. xix, as suas personagens e personalidades, as suas mesquinhices, a decrepitude, o marasmo social, a apatia, etc. No entanto, de todas as obras do escritor que tratam estes assuntos - sim, porque são quase todas - qual foi a escolhida para ser o paradigma queirosiano no secundário? OS MAIAS. Nem mais: a maior, a mais chata e menos interessante, a mais maçuda, complicada e cheia de descrições de todas as obras. O Crime do Padre Amaro, A Relíquia, A Capital, A Cidade e as Serras, todas estas não interessam. Qual é a que escolhemos? OS MAIAS.
Vergílio Ferreira. Outro grande escritor, cuja obra é analisada e estudada no programa do 12º ano. De novo, um conjunto de conceitos a ser ensinados aos alunos: a morte, o tempo que nunca se repete, a saudade, a tristeza da condição e da miséria humana, os que já partiram, o passado, etc. No entanto, de novo, de todas as obras do escritor que tratam estes assuntos - sim, porque são muitas as que tratam este assunto - qual foi a escolhida para paradigma vergiliano no secundário? APARIÇÃO. Nem mais: o existencialismo sartriano, o modernismo do séc. xx, as questões da condição humana - perecível, degradada - e todas as restantes questões e a mais complicada de todas as suas obras. Em Nome da Terra, Cartas a Sandra, Até ao Fim, todas estas não interessa. Qual é a que escolhemos? Qual é a mais complicada? APARIÇÃO
José Saramago. Único prémio Nobel da literatura em Portugal. Sem dúvida um grande escritor, cuja obra decidimos introduzir no estudo do 12º ano. De novo, e como uma recorrência, um conjunto de conceitos a serem ensinados aos alunos: a reescrita da história, as particularidades do narrador, a visão crítica do homem contemporâneo, a humanidade do narrador, a particularidade do discurso narrativo com as subversões Às regras de apresentação do discurso directo e a subordinação das ideias, a pequenez do homem em face da história e do tempo, a opressão da igreja católica ao longo dos tempos, os anacronismos narrativos, etc. No entanto, e mais uma recorrência, de todas as obras que tratam alguns destes assuntos - sim, porque estes assuntos são recorrentes na vastíssima obra de Saramago - qual foi a escolhida para paradigma saramaguiano no secundário? MEMORIAL DO CONVENTO. Nem mais: extensa, descritiva, anacrónica, de assunto desinteressante para jovens do secundário, complexa, a mais "chata" de todas as suas obras. O Ano da Morte de Ricardo Reis (que poderia ser analisado em complementaridade com a poesia de Fernando Pessoa e os heterónimos); O Evangelho Segundo Jesus Cristo (com a reescrita da história, a humanidade do narrador, e outras); O Ensaio Sobre a Cegueira (com o modernismo, a condição ferozmente animalesca do homem, a humanidade e a esperança no futuro do narrador, etc.); O Ensaio Sobre a Lucidez (sobre a importância do voto e da participação cívica dos cidadãos, etc.); O Levantado do Chão (sobre os latifundiários do Alentejo e a preparação do 25 de Abril...); nada disto conta. NADA. Qual é a que escolhemos? Qual é a mais secante, complexa e mágica história para entalarmos os miúdos e atrasarmos as suas competências???? Qual é, qual é? O MEMORIAL DO CONVENTO
E este problema verte para as mais diversas franjas da nossa sociedade, com o sentimento do complicar, da burocracia, da complexidade, do tamanho e dificuldade do que se ensina. É isto que perpassa toda esta nossa atitude portuguesa de complicação. Não queremos que os miúdos passem o secundário de uma forma natural. Queremos que eles sofram, que eles suem e que chorem durante todo o percurso. Que matem a cabeça a ler textos e autores que, no mínimo, fá-los-ão NUNCA mais quererem ler semelhantes autores.
Enquanto não assumirmos efectivamente que o ensino deverá ser por competências, independentemente dos conteúdos (tal como cada vez mais acontece nas escolas profissionais e técnicas), não sairemos desta cepa torta. Esta corja de interesses editoriais e ministeriais, uma cultura de aparente dificuldade, quando os países do mundo já perceberam que não se julgam as obras pela sua dificuldade de compreensão.
Esta é a falácia do ensino do Português: para além de falsamente orientados para as competências, os alunos aprendem conteúdos, estáticos e apresentados sem interesse nas salas de aulas, respondendo a testes que obedecem à estrutura dos exames nacionais, como se de um treino para uma maratona se tratasse. Não interessa que os alunos sejam criativos e flexíveis o suficiente para se adaptarem a novas realidades literárias. não interessa que os alunos aprendam outros textos, mais voltados para a realidade (sem esquecer que, no caso de Saramago já há o filme do Ensaio Sobre a Cegueira; e já existem 2 filmes sobre O Crime do Padre Amaro, um deles até português). Não interessa nada disso. Interessa a manutenção de um status quo que para sempre levará os alunos à angústia dos exames nacionais e ao estudo «marrado» para cumprirem os trâmites formais dos exames.
E daí, complicam-se as coisas. Vamos a colocar Os Lusíadas sem exercício comparativo com A Mensagem. Assim, os miúdos não estão à espera e espetam-se... heheheheh.
Muito bem. São estes os nossos líderes.
1 comentários:
Não consigo votar na sondagem. Vê lá isso.
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