A Ditadura Parental - ou a revolta das restrições

Se há coisa que ainda me lembro com alguma saudade, talvez até com aquele sentimento de Paraíso Perdido, é a liberdade com que gritava da porta de entrada de casa para a minha mãe que estava, ou no jardim ou na cozinha: «mãe, vou brincar para a rua!». Não dizia para onde ia, com quem ia estar, o que iria fazer, dizer ou sonhar. Era apenas isso - vou brincar para a rua. Como se a rua fosse um novo universo onde me sentia tão à-vontade como quando me encontrava em casa; um prolongamento da minha existência de criança.
Quando penso nisto, juntamente com o chegar a casa (vindo da rua) sujo, esbaforido e suado, apenas me vem à lembrança o olhar reprovador da minha mãe e as suas palavras menos simpáticas: «olha como tu vens, pareces um desgraçado... vai lá lavar essas mãos para vires jantar».
Agora, nesta nossa contemporaneidade de comunicação e interacção contínua, esse universo parece-me demasiadamente longínquo. Tão longínquo quanto um sonho de criança que se esvai no caminho do ser adulto. Não só pelo advento do telemóvel e das comunicações móveis a preços irrisórios; apenas pela certeza de que hoje em dia não há a confiança no presente nem no futuro que havia antigamente. Os adultos são cada vez mais desconfiados das intenções das crianças, ora porque se perdeu o respeito e a moral, ora porque o perigo espreita em qualquer esquina. Os adultos são cada vez mais crianças assustadas e as crianças cada vez mais adultos à força.
Passando das lembranças da infância para a informática dos nossos dias, a grande arma do "Windows Vista" era a capacidade de os pais finalmente conseguirem controlar tudo aquilo a que a as crianças acedem na Internet, o correio electrónico que recebem, as pessoas com quem falam, etc. Isto tudo poderia ser visto como, à primeira vista, bastante positivo. Mas a verdade é que, por detrás desse manto de faciidade, esconde-se uma realidade bem mais espinhosa: a ditadura parental que, desde cedo começa a incutir nos mais jovens a necessidade da restrição.
Como se a restrição fosse, não um mecanismo pessoal de auto-controlo e sobrevivência social do próprio indivíduo, mas algo que deverá ser obedecido sob pena do desmoronar da sociedade tal qual a conhecemos. Ora, se bem nos lembramos, a falta de restrição é, talvez, o melhor mecanismo para a criação de restrições. Naturais, entanda-se, não baseadas no livre juízo de pais que, quer na internet quer na vida real, não têm contacto com a efectiva realidade do mundo em que vivem as suas crianças.
Por isso o Vista é um flop. Por isso as leis são contornadas. Por isso viva a pirataria desgarrada na informática.
Enquanto a restrição for arbitrária (ou, pior, servir interesses corporativos) a revolta será sempre mais violenta.

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