A Espiral Descendente do Metaleiro (ou a inadiável constatação da mutabilidade do mundo)
O verdadeiro metaleiro quando nasce não faz a mais pálida ideia de que é um metaleiro. Começa por ser um rapaz igual aos outros: até aos seis anos não é autónomo, faz chichi nas cuecas, tem medo do escuro, não gosta de estar sozinho, briga com as raparigas e adora andar perto dos rapazes para poder brincar aos polícias e aos ladrões, aos cowboys e aos índios, por vezes até aos médicos e às enfermeiras.
Durante a escola primária, o metaleiro é um rapaz normal, parecido com os restantes rapazes da escola. No entanto, algo o distingue. Ora a forma de falar, ora a maneira de andar, os jeitos afeminados, o interesse pela música ou por outras formas de estar na vida que não as normalmente aceites pelos restantes rapazes. Ou então é marrão. Um grande marrãozinho que adora estudar e fazer os papás felizes porque o filho é muito muito esperto, embora não sociável, é muito inteligente e tira boas notas na escola primária, no 2º ciclo e, por vezes, até ao final do 3º ciclo.
No entanto, o despertar para a “metalicisse” ocorre por volta do oitavo ano de escolaridade. Quando os restantes alunos estão a passar de pintainho para galo, o metaleiro está ainda a pensar se aquilo que tem pendurado entre as pernas serve para fazer desenhos na areia ou para quê? A partir do oitavo ano, normalmente, as coisas começam a ficar feias para o típico metaleiro.
Em primeiro lugar, não consegue arranjar namorada. Começa então a perceber que algo de errado nele. Há algo – o acne, a roupa que os pais lhe vestem, a maneira como ele fala com as outras raparigas, o andar, qualquer coisa – que o impede de iniciar ou tentar iniciar uma vida de namoro ou sexo profícua ou, pelo menos, minimamente activa.
Em segundo lugar, os amigos, pelas mais diversas razões que ele não consegue identificar, de alguma maneira sobrenatural, conseguem arranjar sempre alguma rapariga com quem passar o tempo. E relegam-no para segundo plano. Ele tenta perceber o que se passa, mas há algo que o impede de ver a realidade e perceber aquilo que lhe falta para poder singrar no universo melindroso dos arranjos amorosos.
E a vida dele segue como dantes – sozinho, com boas notas, mas sem grandes amigos nem namorada que se vislumbre. É então que algo o atinge. Pode ser das mais variadas formas, mas o resultado é sempre o mesmo, e a conclusão a que o metaleiro chega é também a mesma: há gajos que ouvem música esquisita mas que, por obra ora da roupa preta que usam, ora pelo paleio, ou pelas letras agressivas das canções, conseguem sempre… mas sempre sempre sempre… arranjar uma namorada. Mas não são umas namoradas quaisquer… são namoradas podres de boas e que não têm vontade de serem “namoradas para casar”, apenas para curtir.
Normalmente as namoradas dos gajos que ouvem músicas esquisitas e violentas, obscuras, de que ninguém nunca ouviu falar, são as gajas mais jeitosas do liceu. Ou então, se não o são, tornar-se-ão em brevíssimos períodos lectivos. Habitualmente do final do terceiro período do oitavo ano para o primeiro período do nono.
E é aqui que a vida do metaleiro verdadeiramente muda: começa a procurar músicas dos “heavy metal” ou da banda chamada “death metal” e tudo o que tenha que ver com o desconhecido, o violento, a repulsa da normalidade, do hábito. Começam a deixar crescer o cabelo (normalmente), ou ganham a coragem suficiente para fazerem um piercing muito marado e muito à frente dos outros. Passam a vestir de preto, inteiramente de preto, e, mais recentemente, passam a sacar todo o tipo de música pesada que conseguem da net.
E as raparigas começam a surgir. Os anos vão passando, e a sua reputação de gajos duros, entendidos na música pesada, de preto, com piercings, cabelos grandes e tatuagens, vai finalmente crescendo. Começam a lamentar-se imenso do mundo, da sociedade, das pessoas, que ninguém os compreende, que são anjos caídos de um outro paraíso, que a dor faz parte da sua vida, que gostariam de beber sangue humano, que fizeram pactos de sangue com alguém, que leram o livro de são “spriano”, muitas vezes sem saberem quem foi Anton La Vey, que os pais não os compreendem, que os professores não os compreendem, ninguém os compreende… nem as namoradas, que tentam desesperadamente fazer qualquer coisa por aquela alma atormentada e desnorteada.
Mais tarde, a vida continua, e eles vão-se mantendo no mesmo sítio, fazendo as mesmas coisas, bebendo nos mesmos cafés, com a mesma cara carrancuda, com as mesmas roupas escuras, com a mesma atitude anti-social com que começaram. Embora sintam bem lá no fundo que a sua vida não está a ir a lado nenhum, continuam a lamentar-se. Mas normalmente, o verdadeiro metaleiro, quando chega a esta altura, tornou-se um verdadeiro entendido na matéria de metalicisse e de música metal. Já não é qualquer coisa que o satisfaz, não é qualquer música, não é qualquer banda, não é o que toda a gente ouve. Habitualmente, o metaleiro quando chega a este estádio, refugia-se, embora paradoxalmente, no exacto sítio de onde tentou sair em primeiro lugar: a solidão.
Nesta altura, o metaleiro não faz parte de uma qualquer banda de garagem que aspira tornar-se uma grande banda de metal. Não, o metaleiro já evoluiu muito, já não vai para a frente do público, no moshpit, abanar a cabeça e fazer sinais ridículos de cornos (mesmo que não os tenha) às bandas que desfilam no palco. Não, nesta altura o metaleiro assiste aos concertos junto à cabine de som, vestido sempre de preto, com os braços cruzados, em atitude contemplativa, acenando de vez em quando a cabeça a um ou outro acorde original mas, no cômputo geral, mostra-se insatisfeito, entediado, farto do idêntico em toda a parte.
Tudo é a mesma merda: as bandas são uma merda, a sociedade é uma merda, as pessoas são falsas e hipócritas, o mundo está perverso, deus não existe, nada existe a não ser o metaleiro e a sua metalicisse. Nada mais está para provar o que quer que seja. A ideia de deus é negada à mais extrema consequência: risos em funerais, desaprovações de choros, alegadas tentativas de suicídio que nunca chegam a lado nenhum (pena), namoros acabados, recomeçados, acabados e finalmente recomeçados – mas com raparigas dez anos mais novas do que eles. Também elas fascinadas, como ele já outrora o fora, com a pose negativista, a atitude de desprezo, de arrogância, de conhecimento, de anti-tudo-o-que-não-é-metal.
Passam a detestar a norma musical dentro dos metaleiros. Quem ouve músicas de bandas conhecidas é automaticamente banido do círculo pseudo-intelectual em que o metaleiro está inserido ou, nas restantes hipóteses, criou para se inserir a si próprio. Só as músicas que eles ouvem – eles, e uma pequeníssima minoria – são dignas de se ouvir. Só se alguém conhecer aquela segunda versão do lado b de um single que nunca foi editado em lado algum, e que só uma centena de pessoas e ele é que conhecem, é que poderá, talvez, e aqui residem muitas reticências, só assim, talvez é que esse alguém poderá aspirar a fazer parte desse círculo restritíssimo.
A vida entretanto passa. A música muda, os tempos mudam, as pessoas mudam, as raparigas facilmente impressionáveis tornam-se objectos proibidos para os não-pedófilos, e tudo chega ao mesmo: a vida é nada, nada é nada, deus é nada. Tudo é um grande, negro e vazio NADA.
Então, normalmente, o metaleiro, nos últimos momentos da sua fúnebre e entediante vida, chega a uma conclusão. Não interessa qual. Mas consegue percebê-la. E então, num último acto de desespero, de refúgio mental e religioso, o metaleiro tenta encontrar algum conforto na figura que sempre desprezou, como o filho pródigo voltando a casa: olha para o céu negro da noite tentando encontrar uma resposta, um qualquer tipo de justificação, de entendimento. Mas apenas consegue descortinar o negro da roupa que usou sempre ao longo da sua vida. E morre amargurado, sem perceber porque é que nunca evoluiu.
1 comentários:
nossaa adorei mto massaa
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