Os (novos) Pecados Sociais da Igreja

Como já tinha referido, a Igreja Católica definiu mais alguns pecados capitais da era da globalização, entre eles a poluição, a manipulação genética e o uso de drogas. Pensava eu, no meu (in)corrigível egocentrismo, que estava praticamente livre de qualquer nova acusação porque, como expliquei, custava-me acreditar que chegasse a manipular geneticamente alguma coisa ou que a poluição que produzo fosse suficiente para me condenar. Abstenho-me de qualquer consideração acerca do uso de drogas porque, como fumo, bebo e tomo café, e acho que estas três substâncias são drogas (porque interferem com o estado normal do ser humano), prefiro não me pronunciar.

No entanto, representantes da nossa mui notável organização ocupacional católica vieram a público explicar aos leigos (eu e mais alguns, porque os outros são entendidos na matéria) que afinal os pecados são pecados sociais, não se aplicam directamente aos indivíduos. Isto é, o objecto de acção destes novos pecados são as sociedades em geral e, em última instância, a própria humanidade.

Pronto, agora é que a porca não só torce o rabo como vai tudo abaixo. Ou seja, por causa de uns investigadores portugueses que, num futuro embora longínquo mas não obstante possível, decidam manipular geneticamente alguma coisa, lá vou eu para o Inferno. Por ser português, viver em Portugal e os cientistas portugueses incorrerem num crime tão grave. Da mesma forma com a poluição: estão se calhar as refinarias a contribuir para a destruição do equilíbrio ecológico do planeta e estou eu, na minha insignificante vidinha, a ser lentamente condenado ao Inferno.





E mais... que é que eu posso fazer para não ser condenado? Escrever uma carta aos responsáveis a dizer que sou contra os pecados que eles cometem? Afirmar publicamente que me demarco da opção governativa do meu país em não condenar a manipulação genética?

Isto é muito complicado. Especialmente porque os pecados vêm também na forma de pensamentos: «eu pequei muitas vezes por pensamentos e palavras, actos e omissões» Pronto, está tudo lixado. No fundo, no fundo, vamos todos para o Inferno com uma pinta tesa.

Se eu pecar sozinho, vou para o Inferno; se eu viver numa sociedade que seja secular e pugne, por exemplo, pela manipulação genética para o desenvolvimento científico, pumba!... Inferno com ele. Se eu não disser nada, Inferno. Pior: se eu pensar em geneticamente modificar alguma coisa... tá lixado! Inferno.

Pela primeira vez desde que eu entrei em contacto com a ideia de Religião e de Céu/Inferno e toda a imagética do pecado, sinto que a minha condenação já não depende exclusivamente de mim: depende também da sociedade onde me insiro.

Pela primeira vez, posso pecar e ser condenado (julgado) pelos crimes dos outros; por crimes e pecados que eu não tive qualquer tipo de actuação.

Assim, definitivamente não vamos lá.

(agora a parte séria: a igreja deu, com estes novos pecados, um salto de gigante no seu âmbito de acção. Não só se imiscui e intromete na vida particular dos indivíduos, como agora alargou o seu discurso para uma orientação social. As sociedades passam a carregar o fardo do pecado se optarem por uma organização secular, científica, progressista e de desenvolvimento. A igreja católica encobre esta intencionalidade com o discurso de que estes novos pecados são considerados flagelos sociais e, como tal, devem ser publicamente condenados. De qualquer das formas, tratar-se-á sempre de uma orientação política sob o capuz da religião... bem hajam)

0 comentários:

  © Blogger templates The Professional Template by Ourblogtemplates.com 2008

Back to TOP