Piercings e Tatuagens - uma falsa questão de regulamentação

O Partido Socialista apresentou na semana passada um projecto de lei que proíbe a aplicação de piercings, tatuagens e maquilhagem permanente a menores de 18 anos, ao mesmo tempo que proíbe a aplicação de piercings na «língua e no pavimento da cavidade oral», na proximidade de vasos sanguíneos, de nervos e de músculos e sobre quaisquer tipos de lesão cutânea.

O que à vista desarmada parece uma proposta regulamentadora e benéfica para a saúde pública, torna-se, após um exercício de análise mais profundo, numa imposição antidemocrática velada, que atenta contra a liberdade individual dos cidadãos.

Em primeiro lugar, não cabe a um governo legislar sobre a utilização de adornos de cariz pessoal, sendo que são da exclusiva responsabilidade de quem os usa. Não faltava mais nada termos poder sobre os brincos, colares, pulseiras e demais adornos com que as mulheres tão orgulhosamente se exibem, assim como demais adereços masculinos.

Sei que pode parecer tentador para alguns, mas há que imaginar o extremo fascista de não serem permitidos certos tipos de bigodes nem cortes de cabelo, ou calças, camisas e outros, tão factuais como as proibições que este diploma tenta impor.

Em segundo lugar, e sob o argumento confuso da saúde pública, o Partido Socialista confunde propositadamente a falta de regulamentação do sector com a opção individual que cada cidadão pode ter no que concerne à utilização de adornos.

É lícito a sociedade exigir que a colocação de piercings e a realização de tatuagens sejam feitas em ambientes condignos, com materiais esterilizados e hipoalergénicos para evitar a transmissão de doenças e o surgimento de lesões permanentes. No entanto, não é lícito, nem nunca o poderá ser, que uma sociedade proíba a realização de um piercing quando a responsabilidade recai unicamente sobre quem o quer utilizar.

O problema da saúde pública apenas se coloca caso esta proposta seja aprovada (o que estou convencido de que não acontecerá), uma vez que, sendo proibido, os piercings na língua e nos genitais serão feitos em condições não controladas, nos chamados «vãos de escada», contribuindo e muito para a propagação de doenças e o aparecimento de lesões irreparáveis.

Mais a mais, ainda tenho curiosidade em saber se teremos uma brigada-tipo-asae a pedir às pessoas para abrirem a boca e baixarem as calças para se certificarem de que não foram utilizados adornos proibidos. E se forem? Que tipo de sanções estarão previstas na proposta do governo para «castigar» os prevaricadores? Cortam-se os membros? Prende-se os criminosos?

Concedo que esta é uma questão aparentemente secundária para algumas pessoas. No entanto, não nos podemos esquecer de como têm sido geridos os diplomas de «saúde pública» que o governo nacional nos tem imposto: a desregulamentação da lei do tabaco (de tal forma confusa que a opção é não optar por espaços de fumadores); a proibição de importação e criação de raças de cães «potencialmente» perigosas (sem consulta prévia dos directamente interessados e sem fundamentação especializada), e, agora, esta aberração antidemocrática.

Analisando ainda a indefinição do que se entende por «proximidade de vasos sanguíneos, de nervos e de músculos e sobre quaisquer tipos de lesão cutânea», resta-nos a certeza de que o nosso corpo é todo ele músculos, vasos e nervos e que, numa visão preciosista, a colocação de piercings será em última análise proibida em qualquer parte do corpo humano.

É por isso que, como cidadãos que somos, activos e directamente co-responsabilizáveis, se torna cada vez mais necessário mantermos um espírito crítico na análise deste tipo de questões. É que, sob o manto misterioso da regulamentação (quando na realidade não regulamenta, proíbe), o governo controla cada vez mais aspectos da nossa sociedade que não lhe cabe a ele controlar.

É necessário discutir estas questões e fazer pressão sobre quem nos representa para impedir a sua aprovação, sob pena de nos tornarmos, a muito curto prazo, em pinguins alinhados, iguais na cinzentez da nossa existência, a caminhar todos em marcha para onde o governo nos quiser levar. Sem no caminho fazermos o que quer que seja que fuja ao padrão estabelecido.

George Orwell haveria de gostar de ver este ano e o Huxley decerto regozijar-se-ia com o vislumbre deste admirável governo novo.

0 comentários:

  © Blogger templates The Professional Template by Ourblogtemplates.com 2008

Back to TOP