A (des)criminalização dos estupefacientes

A ideia de se voltar a criminalizar o consumo de drogas leves em Portugal volta à discussão depois de a JSD/Terceira assumir a intenção de, à semelhança do que se passa na Madeira, apresentar uma moção ao seu congresso neste sentido. Por seu turno, a deputada do PSD pela Terceira, Carla Bretão, veio publicamente apoiar esta intenção, assumindo talvez uma concordância velada do PSD-Açores. Ao mesmo tempo, o vice-presidente da Comissão de Ilha da JSD publicou um artigo de opinião no qual se mostra não só contra a opinião dos seus colegas de partido como a favor da liberalização das drogas leves.

Não querendo perder tempo a comentar a desarticulação das estruturas políticas sociais-democratas, considero ser esta uma questão suficientemente preocupante e pertinente para nos determos um momento, em especial depois da leitura do confuso texto da deputada social-democrata.

Parece haver uma confusão propositada e conveniente entre os conceitos de «consumidor», «toxicodependente», «tráfico», «consumo» e, mais grave ainda, «droga». Para além da confusão dos termos, há uma vontade de confundir a argumentação para levar a questão ao íntimo das pessoas, ao familiar, aos «que se vêem a braços com este flagelo», apelando desta forma não à racionalidade mas à empatia e subjectividade.

A toxicodependência é, sem dúvida alguma, um problema grave das sociedades, particularmente na nossa açoriana. Que não subsistam dúvidas acerca disto. No entanto, não só a nível técnico como substancial, existem diferenças entre as chamadas drogas «leves» e as drogas «pesadas». A documentação existe em bibliotecas, na Internet e na informação disponibilizada por organismos dedicados a esta questão.

Aceitando ainda, e mal, quem argumente não haver esta diferença (talvez da mesma forma que não haverá diferença entre um café e um cigarro) e que ambas as categorias se referem à ideia de «droga», a verdade é que o consumo de um cigarro de cannabis não pode – nem deve – ser comparável ao consumo de cocaína, por exemplo.

É precisamente aqui que a argumentação se confunde. Para muitos, incluindo os supracitados, o consumo de uma droga leve terá como fim inevitável o consumo de uma droga pesada. Como se fosse impossível conceber o consumo ocasional, não viciado, de uma substância deste género. Para estes, mais cedo ou mais tarde, a desgraça instala-se. Esta linha de raciocínio é seguida como se de uma condição sine qua non se tratasse, revelando no fundo uma argumentação tão enviesada quanto: quem bebe uma cerveja tornar-se-á necessariamente num alcoólico.

O mais preocupante é que, para muitos, falar de droga é falar de uma categoria de droga em geral, abarcando todas as outras de uma forma leviana, irreflectida e ignorante. E estranhamente, este tipo de argumentação acaba por ter grandes adeptos porque não implica a desmistificação e mantém o costume da condenação. É mais confortável, compreende-se.

Outra confusão propositada e, que deriva da anterior, é a de se tomar um consumidor ocasional por um toxicodependente. Este é, como o alcoólico, alguém que necessita de ajuda e de apoio institucional para combater um vício. Esta é a confusão que mais enviesa a discussão desta problemática, uma vez que surge como forma de disseminar uma visão pessoal sobre este tema. É mais confortável e demagógico, entendo, mas faz com que os apoiantes o sejam mais por ignorância e medo do que por consciência informada.

Mais a mais, a questão do tráfico de droga não deve ser resolvido com a revogação de uma lei, tomando como justificação a incapacidade de acção legal das forças policiais. Pelo contrário, ao voltarmos a criminalizar o consumo, regressamos ao passado: as forças policiais vão voltar a perder tempo destrinçando os consumidores dos traficantes e, aí sim, deixam de combater o tráfico de grande consumo, aquele que verdadeiramente destrói lares e indivíduos.

Está na altura de tratarmos os problemas pelo que eles verdadeiramente são e não pelo preconceito que deles adquirimos ao longo da nossa educação. É necessário perceber que a descriminalização do uso de estupefacientes foi um passo em frente no combate à toxicodependência e que o caminho é feito através da educação, do debate e do comprometimento social na resolução deste problema.

A discussão está na rua e espero que, desta vez, os argumentos sejam iluminados e sérios, para que possamos de uma vez por todas olhar o problema da toxicodependência com a clareza de espírito e o sentido social de missão que este problema exige. A ver vamos…

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