OS SINTOMAS DA DOENÇA DA JUSTIÇA – as custas judiciais de adopção

A partir de Setembro deste ano, quem quiser adoptar uma criança terá de desembolsar 576 euros para pagar as custas judiciais do processo. Com a entrada em vigor do Regulamento das Custas Processuais, aprovado a de 26 de Fevereiro deste ano, o processo de adopção deixará de beneficiar de isenção de custas judiciais como até agora acontecia. A aplicação destas custas a um processo desta natureza é uma medida não só insensata como até ofensiva para aqueles que são os mais básicos direitos da criança, consagrados na Carta Internacional dos Direitos da Criança.

É uma medida insensata porque ao aplicá-la, o governo português, numa profunda contradição com a sua prática socialista, impõe um entrave artificial à criação de condições favoráveis à constituição de família por parte de casais que, não podendo ter filhos, encontram na adopção a solução ou, tendo possibilidades financeiras e amor suficiente, pretendem acrescentar membros não biológicos ao seu agregado familiar.

É também uma medida ofensiva porque, como se pode ler na Carta Internacional dos Direitos da Criança, toda a criança «que esteja temporária ou definitivamente privada do seu ambiente familiar […] tem direito à protecção e assistência especiais do Estado» sendo que os estados deverão assegurar a tais crianças uma «protecção alternativa». Por «protecção alternativa» é expresso na mesma carta como sendo o direito à adopção. Pois bem, instituindo o estado português o pagamento de custas judiciais para iniciar um processo de adopção, está a dificultar a salvaguarda de um direito fundamental da criança.

É certo que se poderá argumentar que na lei recentemente aplicada se prevê a devolução da totalidade ou parte do dinheiro pago inicialmente e que os casais que têm vontade de adoptar fá-lo-ão independentemente da aplicação ou não de uma custa inicial. Então impõem-se a pergunta, porquê alterar o regime? Se até agora era um dado adquirido e isento de custos para o casal, por que se há-de criar agora uma «taxa» inicial de adopção que, se tudo correr bem, será devolvida ao casal?

Responder-nos-ão que é um artifício (como tantos outros, incluindo cotas e demais entraves) para impedir que se iniciem processos de adopção a «torto e a direito» e que não terão boa conclusão. Exacto. Pois sim. Como se fosse plausível pensar que um casal pudesse acordar num fim-de-semana, sem ter mais nada que fazer senão pensar alto e dizer «olha, amanhã vamos ao tribunal iniciar um processo de adopção só para ver no que é que dá.»

Portugal tem um sistema legal que leva à volta de cinco anos a resolver processos de adopção, com burocracias e despachos e toda a parafernália judicial que parece ter sido criada apenas como forma de selecção daqueles casais que estão «mesmo, mesmo» empenhados na adopção de uma criança. Ou desesperados. Porque os outros, encontrando-se perante toda a chatice burocrática, muitas vezes desistem do processo.

Estamos de novo perante a aplicação de uma lei que tem apenas fins lucrativos para o erário público, à custa, desta vez, de um processo altruísta que, nos demais países, é não só bem-vindo como altamente desejável, uma vez que permite dar às crianças institucionalizadas um lar e uma família que as ame e as nutra durante toda a sua vida.

Infelizmente, o problema em Portugal não são os processos de adopção que não chegam a uma boa demanda ou conclusão. O problema é o sistema judicial português que, para além de lento e medíocre é também altamente burocratizado. Esta lei surge como mais um sintoma de uma doença que se chama Justiça. E o estado português, ao contrário de combater a doença no seu âmago, decide combater os seus sintomas. À boa maneira portuguesa.

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