As Minhas Músicas I - Guns n' Roses - Coma

A viagem em espiral no limite do abandono do corpo e da mente.

Um homem que se quer alienar do mundo que acaba por ser sua própria criação e, como tudo, a causa da sua própria ruína. Uma ruína que surge como consequência directa da vida que levou, das questões que foi colocando, das mulheres que foi conhecendo, da vida leviana que assumiu como sua e que, em última instância o leva ao declínio. E ele sente o seu corpo a afastar-se gradualmente da sua mente, sente o calor do silêncio, a escuridão deste novo estado de espírito, um estado de calma e de paz que não tem nada a ver com o mundo que está a abandonar.

Ninguém o obrigou a viver. Mas também nunca pediu para nascer. Para nascer e viver desta maneira, buscando uma qualquer calmaria que nunca chegou a não ser no momento em que a linha da sua vida se tornou recta, e os choques eléctricos que os médicos lhe aplicam para que retome a sua pulsação normal, para que regresse à vida que tão feliz se sente em abandonar. Uma vida de miséria e de sofrimento, que nada tem que ver com a calma que encontra à beira-mar da sua evasão corpórea.

E as vozes surgem-lhe depois enquanto abandona o corpo. Vozes de mulheres que reclamam a sua atenção, vozes que lhe surgem do passado para o atormentar com comentários de amor, ódio, incompreensão, argumentos, brigas e desentendimentos e mal-entendidos, se calhar as coisas são melhores mesmo quando nos afastamos delas. Se calhar o melhor é mesmo seguir este caminho, seguir em direcção ao desconhecido, tentando segurar as pontas de um resto de vida que nem é vida sequer. Se calhar, o melhor mesmo é morrer.

Viver a vida como um estado de Coma. Um estado de ignorância e de placidez e de calmaria que nos permite viver sobre tudo isto, esquecer toda esta miséria que nos assola, esta mortalidade e fragilidade humanas, esta tísica aparência de ser mortal. A luz está ao fundo do túnel. A luz está ao fundo do mar que se navega muito calmamente neste estado de paz e de harmonia.

Mas porque é que devemos tentar convencer-te a voltar? Porquê? Que razões temos para que saias desse estado de ignorância e solidão e que voltes para a nossa existência. Por que havemos nós de nos esforçarmos para que a tua mente retome o seu estado normal de comunhão com o teu corpo? Se calhar é melhor deixarmos a natureza seguir o seu curso. Se calhar ele está bem assim... na sua mente, perdido algures nos pensamentos da sua vida, assistindo ao seu desenrolar como a película de um filme projectado numa parede suja de um quarto vazio. Nada mais que memórias fugazes pintando por momentos a parede encardida.





Tentámos várias vezes que tomasses um rumo diferente àquele que escolheste. Muitas vezes dissemos-te que esse não era o caminho mais correcto para viveres. Ficámos muitas vezes à espera que nos contactasses, que nos mostrasses um caminho diferente, que nos dissesses como é que te poderíamos ajudar, como é que te poderíamos fazer mudar de ideias. Tentámos e tentámos e voltámos a tentar. Até um dia...

Tantas chamadas de atenção, tantas horas passadas sentados à volta do telefone à espera que ligasses, os dias perdidos à escuta do som da campainha que anunciaria a tua chegada, que anunciaria a tua melhora. Qualquer coisa, algo que nos fizesse acreditar que afinal sempre haveria modo de te alcançar. Mas a verdade é que não é fácil tentar ajudar-te quando tu não nos ajudas de volta. Tu não estás para nós, não esperas por nós nem perdes dias à espera que a campainha toque. É difícil pensar que não te podemos apontar razões suficientes que justifiquem a tua estadia junto de nós.

Se calhar é melhor assim. Tens um bilhete de ida para a tua partida. Um bilhete de ida para o teu esquecimento. Tens um bilhete de ida e não há forma de saíres daqui vivo. Com toda esta comunicação cruzada que te deixou na solidão, serve-te de consolo saber que quando fores velho, e se a casa está onde o coração, terás histórias para contar aos teus netos. Não, não precisamos de um médico, ninguém te conseguirá curar a alma, tens a tua mente em submissão, a tua vida por um fio, mas ninguém puxou o gatilho, apenas se afastaram, e estarão à beira-mar enquanto te dizem adeus.

Telefonam de manhã. Esperam junto ao telefone. Esperam uma resposta mas sabem que ninguém está em casa. E quando o telefone deixar de tocar a culpa não foi de ninguém senão tua. Houve muitos avisos, muitas advertências, mas demos-te tempo de mais. E quando disseste que ninguém te ouvia respondemos que estávamos fartos de esperar. É tão fácil ser louco quando não se tem nada a perder. E eu gostava de te poder ajudar, mas também estou aqui à espera a rever projecções da minha vida numa parede suja num quarto vazio. Atingir o ponto de ruptura sabendo que ainda vai demorar algum tempo. Enquanto tento curar as memórias perdidas que outro homem precisaria de ter apenas para sobreviver.

[flatline...]


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